sábado, 14 de janeiro de 2017

Estabelecer e... bater recordes

Quem acompanha a actividade da marcha atlética em Portugal terá notado que o calendário nacional da época em curso volta a incluir uns campeonatos nacionais de 50 km. Esse é um facto assinalável e muito bem-vindo. Na primeira versão do calendário apontava-se para campeonatos de 35 km, sem se saber se eram para masculinos, femininos ou ambos. Depois estabeleceu-se que seria para masculinos e femininos, juntando-se entretanto a alternativa de 50 km para ambos os sexos.

É aqui que surge a estranheza. Nas últimas duas épocas, a Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) entendeu inusitadamente que a quantidade de interessados não justificava a realização de campeonatos na distância olímpica superior. Foram fracas as justificações invocadas, mas sobre esse assunto já aqui se disse o suficiente, não valerá a pena aprofundá-lo agora. A questão é: o que terá levado a federação a retomar como por artes mágicas os campeonatos de 50 km marcha?

Para contextualizar, lembremos que, após os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a atleta Inês Henriques, falando sobre o seu futuro desportivo, manifestou o desejo de ser mãe e de tornar-se a primeira mulher portuguesa a fazer os 50 km. O primeiro desses objectivos é do foro estritamente pessoal; o segundo quadra bem com a tendência estimulada pela Associação Internacional de Federações de Atletismo (AIFA) para envolver também o sector feminino nas competições oficiais de 50 km marcha.

Com o passar do tempo e após a AIFA ter anunciado que iria reconhecer um primeiro recorde mundial feminino de 50 km marcha, começaram a circular informações segundo as quais Inês Henriques tencionaria tentar a honra de ser a primeira recordista mundial da distância. Louvável objectivo, esse, que muito glorificaria a atleta e honraria a marcha atlética portuguesa.

Só que, ao mesmo tempo, a FPA anuncia, sem qualquer explicação, que afinal haverá campeonatos nacionais de 50 km marcha, destinados a masculinos e a femininos.

Conhecendo-se a realidade da marcha em Portugal, detecta-se de imediato a contradição federativa: se em 2015 e 2016 não pôde haver campeonatos nacionais masculinos de 50 km por alegadamente não haver quantidade de interessados que justificasse a prova, por que razão decide a FPA levar a efeito pela primeira vez um campeonato feminino em que não se previa (nem se confirmou) haver mais do que uma interessada?

Já se sabia que a argumentação da FPA era tosca para justificar a eliminação dos 50 km dos nacionais de marcha em estrada dos últimos anos. O que ninguém imaginava era que bastaria a ambição (legítima e louvável, entenda-se) de uma atleta para fazer reverter os argumentos da federação tendentes a interromper a história dos campeonatos nacionais de 50 km marcha ao fim de praticamente 30 anos.

A edição de 2017 dos nacionais de 50 km marcha (masculinos e femininos) tem lugar este domingo em Porto de Mós. Neles, Inês Henriques vai tentar obter marca capaz de permitir-lhe vir a ser reconhecida pela AIFA como primeira recordista mundial feminina de 50 km marcha. Oxalá venha a ter sucesso, já que a atleta merece a honra que procura!

E, já agora, fazemos votos de que, caso venha a ser reconhecida como primeira recordista mundial da distância, estabeleça desde já para 2018 o objectivo de bater esse recorde. Pelos vistos, é o único critério para haver em Portugal campeonatos nacionais de 50 km marcha. Masculinos e femininos.